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quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

O fim do sonho e o começo da lenda: as divergências de Shenmue e Yakuza

 


Bem... chegou o momento de falar sobre o elefante na sala: a franquia Shenmue. Não é novidade que eu comecei a escrever pro blog falando muito bem sobre Shenmue, uma franquia da SEGA lá da época que ela fazia consoles ainda, um jogo que apesar de ter uma proposta única e tendo um certo nível de inovação pra época, hoje em dia precisa ser jogado com um olhar da época devido a serem extremamente datados em comparação ao que outros jogos fazem atualmente. E também não é novidade que eu propositalmente deixei o Shenmue III de fora das minhas analises apressadas e sem pé nem cabeça de anos atrás, e, tem um motivo pra isso: eu não queria fazer uma analise de Shenmue III porque o jogo não me agradou nem um pouco. Eu fiquei tão decepcionado com a experiência que eu decidi buscar jogos similares e acabei encontrando um "sucessor espitirual" de certa forma, dai veio a ideia desse post.

Observem enquanto eu viro cinzas pois os posts de Shenmue já tem 4 anos


Shenmue, o terceiro jogo e a ruína trazida pelo medo de mudar

Como já foi dito acima, apesar de serem bons jogos, a duologia original de Shenmue são repletas de decisões de design e tecnologias mais datadas quando comparadas a jogos de hoje em dia, algo que não torna esses jogos acessíveis pra todo mundo, porém sendo uma experiência bem satisfatória se esse tipo de coisa não te incomoda, devido a proposta de criar um "mundo aberto" imersivo focado em coisas mundanas e pequenos detalhes, que era algo bem único pra época. Em algum momento durante os DEZENOVE ANOS entre o lançamento de Shenmue II e Shenmue III, Yu Suzuki, diretor da franquia Shenmue e seu próprio estúdio, YS Net, responsável por fazer o terceiro jogo, basicamente acertaram na Mega-Sena dos revivals, considerando que a SEGA, mesmo não tendo interesse nenhum na franquia devido ao alto custo de produção e o fracasso nas vendas, decidiu deixar ele trabalhar com a IP desde que ele se virasse pra arrumar a grana. Foi aberto um Kickstarter, o projeto recebeu um suporte imenso de 6 milhões de dólares através da galera que já tava esperando esse jogo a quase 2 décadas e o jogo recebeu atenção o suficiente pra também receber financiamento da Sony e da publisher do jogo, Deep Silver, responsável por publicar alguns jogos japoneses da SEGA como Persona e Yakuza. 

Em 2019, lança Shenmue III, um jogo que pega Shenmue II e dá uma boa melhorada gráfica apesar das animações serem esquisitas, enquanto não muda em nada a jogabilidade, exploração e direção de dublagem, decisões de design datadas e tudo, e com um combate extremamente inferior ao dos anteriores, antes baseados em Virtua Fighter e agora funcionam tão mal e tão diferentes que dependem (muito) menos de combos e skills e mais de stats, quase como uma mistura bizarra do combate antigo porém sem o peso, feedback visual, dinâmica e fluidez dos controles e moldando isso num Action RPG, algo que por si só já é extremamente decepcionante considerando o quão recompensador era de fato aprender golpes novos e quando usar eles no estilo de combate antigo, porém, não acaba aqui. Shenmue III adiciona ainda mais decisões contra intuitivas de design, como embutir o sistema de fome e stamina diretamente no HP do Ryo Hazuki, te forçando a gastar dinheiro (necessário pra progressão do plot inclusive) a todo momento porque CORRER FAZ O RYO PERDER VIDA. Conseguir dinheiro de uma forma consistente pra quantidade que certos segmentos na história pedem é quase impossível sem depender de apostas e se a progressão tá praticamente travada atrás de RNG tem alguma coisa muito errada. Os problemas do jogo não acabam só em ser inferior aos anteriores na questão gameplay e sim...

Na história e nos diálogos. Discutivelmente um dos pontos mais importantes em Shenmue considerando que uma das propostas desses jogos é a imersão na experiência geral. Os diálogos em diversas vezes falham em se conectar numa conversa coerente, agravados ainda mais pela localização robótica numa tentativa de "capturar o charme" dos jogos antigos, que só tinham esse charme de jogo velho pois a localização de jogos naquele período eram complicados, isso dá pra notar até em jogos como Sonic Adventure. Enquanto a história é um grande pastel de vento, sem substância, que começa de uma forma e termina da mesma forma, nada muda em comparação ao ponto final de Shenmue II, nenhum personagem avança, evolui ou sequer aprende algo nessa jornada, em partes até parece que regrediu em comparação ao mesmo, e como se não bastasse isso, algum tempo depois veio uma entrevista do Yu Suzuki onde ele falava mais ou menos que ele "pretende fazer múltiplos capítulos de Shenmue". Irmão? Tu conseguiu um milagre pra fazer o terceiro, não muda o plano de criar diversos capítulos considerando que essa chance foi uma em um milhão, mete uma regressão da gameplay de um jogo de 2001 em 2019, uma história que anda em círculos e acha que vai conseguir mais? E como se não bastasse tá considerando uma prequel mesmo sem ter a certeza de que vai mover a narrativa atual? Ou é muita arrogância ou é muita burrice. A pior parte é parar pra pensar que teve uma galera que esperou 19 anos por essa sequência, saiu decepcionado e na mesma situação de antes, sem a certeza de que vai ter uma continuação, só que dessa vez também com a incerteza de que a continuação vá continuar algo de fato.


Wow breakin' the laaaaw, breakin' the woooorld

Yakuza/Like a Dragon, e a aposta no presente que criou uma Lenda

Em algum momento entre 2020 e 2021, após zerar Shenmue III e sair decepcionado, decidi checar outras franquias da SEGA pra ver se encontrava algo com uma proposta similar, baixei a demo de Yakuza 6, joguei, curti, decidi acompanhar a franquia em ordem cronológica, e acabei encontrando uma das minhas franquias favoritas atualmente. Yakuza/Like a Dragon (vou começar a chamar de LaD a partir de agora porque é mais fácil, qualquer reclamação, direcione ao gerente) é fantástico, entregou tudo que eu esperava ver num revival de Shenmue.

É um jogo imersivo que consegue tornar cada cidade um lugar vivo de fato sem perder tempo com coisas monótonas, ao mesmo tempo que faz questão de mostrar uma variedade de detalhes pra expandir ainda mais a imersão, combate extremamente bem feito e que melhora a cada novo jogo, que não tem medo de tentar inovar, apresentar estilos diferentes de se lidar com uma luta ou até mudar drasticamente a formula das lutas quando necessário, como por exemplo o estilo mudar de Brawler pra RPG de Turno com a mudança de protagonista, e que consegue sempre superar o último jogo até quando está reusando assets do mesmo. Não existe nenhum tipo de menção direta a Shenmue em nenhum tipo de entrevista ou algo assim, mas dá pra sentir a alma de Shenmue quando joga, a diferença sendo que LaD não foi sabotado por um diretor preso na mentalidade da última década que propositalmente não quis evoluir.

É engraçado pensar que LaD é tão popular hoje em dia considerando que tropeçou muito pra emplacar por esse lado do mundo quando começou no PS2 lá pra 2005, sendo visto por quem sequer tinha jogado como "GTA japonês", e tendo a localização mais tosca que eu já vi num jogo até hoje, virando piada dentro da comunidade. A franquia tropeçou tanto por aqui que no lançamento de Yakuza 5 a SEGA sequer se deu o trabalho de lançar em mídia física, só no digital mesmo. Isso começou a mudar em 2018 com o lançamento de Yakuza 0, a SEGA decidiu localizar esse por ser um ponto de inicio fácil pra quem não tinha acompanhado no PS2, e... deu certo? E partindo desse ponto só foi ficando cada vez mais popular, chegou até nesse blog numa review que vocês com certeza deveriam ler *wink wink*.

LaD tem uma das melhores histórias que eu já vi numa série de jogos, se pá até uma das melhores histórias, ponto. Uma história que sabe entregar tanto em pontos dramáticos e tristes como também consegue trazer momentos engraçados através das diversas sidequests presentes no mapa do jogo, tava jogando o LaD Gaiden esses dias e casquei o bico na sidequest onde o Kiryu tava acompanhando de perto com cara de tacho um adolescente fazendo merda porque tava ouvindo conselho romântico do "ChatGPT só que não", e o mesmo jogo não falha em me destruir com o final, que não posso entrar em detalhes por ser obviamente um spoiler gigante mas que vai te atingir em cheio como um soco no estômago se você tiver acompanhado a trajetória do Kiryu como um personagem desde o Yakuza 0.

 

Shenmue, desfazendo melhorias no ultimo jogo enquanto Yakuza decide meter RPG de turno como combate novo porque o protagonista mudou

O contraste entre a Fênix de Dobuita e o Dragão de Kamurocho

Essas diferenças bizarras entre 2 jogos com o mesmo DNA que me deixa triste com o estado atual de Shenmue, de um lado temos uma franquia com potencial que apesar do tempo é lembrada como uma memória boa, mesmo numa posição de incerteza e de indiferença com o seu próprio futuro por estar sob a direção de um cara preso ao passado, que descartou o suporte gigante dos fãs dessa saga em favor de uma visão que é discutível se ele mesmo tem a conclusão, observando as decisões bizarras tomadas ou coisas ditas em entrevista. No outro lado da moeda temos uma franquia que falhou em emplacar logo de cara mas que foi lentamente virando o jogo, a ponto de se tornar uma das gigantes da SEGA e um dos motivos pelo qual os revivals do "super projeto" sequer são possíveis. O medo de largar mão do passado de sucesso e o sucesso atual que veio por arriscar no presente. No momento que esse post está sendo escrito, meu lado fã de Shenmue segue desacreditando na oportunidade perdida que foi Shenmue III, enquanto o meu lado fã de LaD tá ansioso pro dia 26 de Janeiro, onde o jogo que promete ser o melhor da franquia até então será lançado.

Eu não queria que Shenmue III fosse o jogo que fechasse a franquia, e nunca foi essa a intenção independente do rumo que o roteiro tomou, porque um final rushado também seria insatisfatório, infelizmente uma história de 11~16 capítulos não iria conseguir ter uma conclusão boa em um único jogo, porém não mover o enredo ou seus personagens um único centímetro e nem alterar positivamente a formula em um espaço de tempo de 18 anos é igualmente deprimente, se não pior do que não atingir expectativas. Em contrapartida LaD evitou isso com a forma que escolheu moldar o roteiro com seus jogos. Cada sequência obviamente depende do jogo anterior pra um entendimento maior do enredo como um todo e do arco sinistro que o Kazuma Kiryu passa, porém cada jogo tem sua própria conclusão, fazendo com que eles funcionem muito bem como continuidade como também dentro de seu próprio vácuo. 

A conclusão que eu tirei após tanto tempo com tudo isso sobre a saga de Ryo Hazuki fermentando dentro da cabeça é que... Talvez Shenmue III tenha sido o final mesmo. Não só pela falta de certeza de futuras sequencias como eu ter só, seguido em frente. Talvez eu tenha pego um pouco pesado com o Suzuki lá em cima, não tinha como fazer uma transição sem nenhum tipo de problema entre 2 jogos que tiveram quase duas décadas entre si, talvez ele tenha decidido fazer assim como uma maneira de só reintroduzir a formula de Shenmue atualmente, ou talvez seja de fato por ele não ser um diretor que soube evoluir, como foi o caso do Yuji Naka com a bomba que foi Balan Wonderworld. O ponto é que Shenmue não é mais essa coisa mágica e única que um dia foi quando o conceito de um "mundo aberto" imersivo era algo inimaginável, tem diversos jogos com conceitos similares que souberam evoluir, Yakuza/LaD é só um exemplo que se aproxima mais devido ao elemento de combate, enquanto Shenmue III decidiu simplesmente ignorar as melhorias trazidas a formula que a própria franquia ajudou a introduzir, a história não significar nada depois de 19 anos de espera só ajudou a tornar tudo ainda mais triste de se ver e jogar do que já seria mesmo se não fosse o caso.

Eu não sei como acabar o post então uhh vão ler a analise de Yakuza 0 que eu marquei nesse mesmo post e vão ver o video do SuperEyepatchWolf sobre Shenmue III porque ele conseguiu encapsular bem o que eu senti jogando o jogo.

E vão jogar Yakuza tbm tão esperando o que.

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